sábado, 3 de janeiro de 2009

Porque o relógio já ia adiantado...

Espaço agradável, moderno. Interior contrastante com o exterior antigo, envelhecido, classificado. Cores amenas, tons escuros. À frente uma chávena, grande. Café gostoso, reconfortante. Companhia agradável, amiga. E no meio de muitos novelos de conversa, a eterna saudade, antecipada.
As conversas foram e vieram. Falámos de velhos assuntos e de novos temas de conversa, marcados pela atitude das pessoas e pela presença das pessoas na vida.
A certa altura, falou-se do passado. Do passado longínquo, do passado – presente. Ainda se tentou falar do futuro, mas talvez tivéssemos entendido, inconscientemente, que não seria a altura indicada para tocar nesse assunto. Talvez seja demasiado cedo para falar do futuro…
Explanámos, então, como o passado – presente está ainda tão presente (afinal também não passou tanto tempo quanto isso…). Mais atento à conversa do que participativo, com uma mão que suporta a cara, ouvia, certamente embevecido, a conversa. Apeteceu-me permanecer calado a ouvir os desabafos de uma amiga, em vez de participar nela, porque tenho medo de me repetir e porque acho que não sou um bom contador de histórias… e porque acho que, paradoxalmente, ganho mais e dou mais enquanto ouvinte do que enquanto interlocutor.
E no meio de muitos novelos de conversa, a eterna saudade, antecipada. Recordei-me do velho menino que sabia que a sua vida ia mudar, que ia tomar um novo rumo. Mas que rumo? Recordei-me do menino que chega cheio de interrogações e de receios, mas também cheio de sonhos e ambições.
Parece que foi há tanto tempo… mas não foi. E isso é arrepiante! E é arrepiante ter a plena noção de que uma página da nossa vida se está a virar, e que nós pertencemos a essa história, que está diariamente a ser escrita, a qual nós escrevemos e na qual figuramos, como personagem principal.
Lembrei-me do menino, anónimo, que chega a um local novo, e tem de começar tudo do zero. Sou o menino que agora olha para trás e assiste ao seu percurso. Se fosse hoje, teria mudado alguma coisa?? Certamente. Admiro as pessoas que se gabam de ter um percurso imaculado e incorrigível (mas duvido até que ponto isso é verdade).
Sentados naquele espaço agradável, moderno, relembrámos, momentaneamente (até porque o relógio já ia adiantado) aquilo que fomos, aquilo que somos, mas não aquilo que seremos, talvez porque, inconscientemente, entendemos que não seria a altura indicado. Talvez porque seja demasiado cedo para falar do futuro…
Certa altura, a conversa terminou. Talvez porque o relógio já ia adiantado. Mas seria só por isso? Ou seria esta uma desculpa simpática, uma razão estratégica para não falar de assuntos que não são convenientes, que custam a ser digeridos, que doem ao serem relembrados? Vou acreditar que foi apenas porque o relógio já ia adiantado. E vou acreditar que é demasiado cedo para falar do futuro.
Mas quando será a altura indicada para falar do passado?
Num espaço agradável, moderno, quatro amigos conversavam, agarrado, cada um, ao seu bloco de memórias…

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