sábado, 31 de janeiro de 2009

this is the last time...

De repente, a saudade antecipada tem-me atormentado a alma, esmaga-ma, comprime-ma, sufoca-ma. Tenho um nó no peito, que me dificulta a respiração, que ofusca a racionalidade.
Será possível sentir saudades do que ainda não se viveu? Talvez seja… Imagino-me frequentemente, cá em casa, rodeado de caixas de papelão abertas para receber os livros, as molduras, as recordações…
Enroladas em folhas de jornal, eu arrumo, cá dentro, tudo quanto me marcou nestes anos em que fiz de Évora a minha casa de acolhimento.
Sempre que entro no meu quarto lá estão vocês, na minha parede. Todos vocês, em negro sobre branco. Lembro-me de cada um daqueles momentos. Por vezes conseguiria descrevê-los de forma quase cirúrgica. Os traços, as cores, os rostos, os sorrisos, os destinos…
Imagino-me, muitas vezes, a tirar-vos, um por um, e a guardar-vos cautelosamente numa das caixas de cartão que me rodeiam, tentando não vos magoar. Imagino como deve ser difícil e por isso vou querer fazê-lo sozinho, isolado, em silêncio para me poder gerir, para poder rir, para poder gritar, para poder sentir que é a ultima vez que o faço.
Quantas caixas são precisas para guardar quatro anos? Estou a fazer contas… … mas não cheguei a nenhuma conclusão. Esta é uma daquelas coisas que apenas saberei na altura… uma altura que eu não quero que chegue.



Dia 30 de Maio… Parecia tudo tão longínquo e distante, não parecia?

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

de guarda-chuva aberto...

Anoiteceu…
O céu, de um negro nocturno, era pontuado por clarões amarelos, intensos, provenientes da iluminação urbana.
Naquelas ruas vazias e desertificadas, deambulava eu, sem grande pressa de chegar a casa.
O som melancolicamente alegre, provocado pelo gotejar dos telhados, fazia companhia ao passo cadenciado.
Aqui e além, ao fundo, no meio da escuridão, uma pessoa fugitiva, de chapéu-de-chuva erguido, encaminhava-se quotidiana e rapidamente para casa. E eu, vagaroso, mantinha o meu passo cadenciado.
De vez em quando, um grosso, grande e frio pingo de chuva despertava-me dos meus mais profundos pensamentos, para os quais regressava de imediato, passada a inicial fase de desconforto.
O “sonhante” há muito que havia ido, desaparecendo no meio do aguaceiro. Mas eu continuava a deambular pelas ruas vazias e desertificadas.
A determinada altura, vi a porta verde de barras azuis da Madre de Deus. Há muito que aqui não passava, porque também havia perdido o motivo para aqui passar.
De repente, mais um aguaceiro… e o meu passo abrandou… porque, na verdade, gosto de andar à chuva. Não sei bem explicar. É um misto de conforto e fragilidade, de protecção e de pequenez, que me faz sentir livre e desprendido.
As mãos, húmidas, denunciam um furo na armadura invernal. Mesmo assim, insististe em apertá-las, na despedida, prova de que a amizade é a aceitação completa do outro, esteja ele como estiver, seja ele como for.

No meio da cidade, de guarda-chuva aberto, eu deambulava, sem grande pressa de chegar a casa…

domingo, 18 de janeiro de 2009

Insónia, talvez...

Hoje não tenho sono…
Apetecia-me escrever, escrever, escrever… de vez em quando tenho crises destas, mas então, que se pode fazer?
Já estava deitado, aconchegado… mas não consegui deixar de vir responder ao meu amigo, veja-se só, a estas ricas horas…
Enquanto não adormeço, penso, penso, penso… imagino cenários futuros, hipotéticos, mas brevemente reais… transponho a barreira da saudade antecipada e penso, penso, penso…
Curiosamente não fico triste. Talvez porque ainda pareça tudo algo distante, envolto em grandes manchas nubladas. Só tenho medo de não me conseguir despedir de todos quantos quero. Gostava de conseguir dizer a todos o quanto gosto deles, mas tenho medo que as palavras não cheguem, não estiquem, não atinjam o verdadeiro âmago sentimental.
Por enquanto, um dia de cada vez. Talvez seja a melhor opção.
Já estou a ouvir a cama a chamar-me, cada vez mais alto. Talvez vá recolher-me, aconchegar-me, e talvez adormecer…

Talvez me consiga despedir de todos quantos quero… Talvez consiga arranjar palavras para tal… talvez…

Passeio nocturno

Gostei deste passeio…
Pelas ruas de Évora, a chuva miudinha beijava-nos timidamente a cara, humedecia-nos o cabelo, pontilhava-nos a roupa.
De vez em quando uma aragem provocava-nos um arrepio, fazia-nos aconchegar nas nossas peças invernais, mas logo passava.
Os candeeiros iluminavam fracamente as tortuosas ruas, como se não pretendessem incomodar os passeantes, a conversa, ou o agradável silêncio nocturno. Que calma se escutava naquelas ruas, que tranquilidade, que sossego…
A chuva miudinha insistia em beijar-nos timidamente a cara, mas não me apetecia ir embora. Apetecia-me andar e andar, encher fortemente o peito de ar e senti-lo a entrar nos pulmões.
Portas e janelas cerradas. As ruas fechadas para o mundo. Só se abriram para nós podermos passar e vaguear, sem rumo e conversa certos.
Apetecia-me tanto ter continuado este passeio… fez-me sentir livre e desprendido, isolado de uma vida que tenho de seguir, afastado de compromissos que sou obrigado a acatar. Foi bom não pensar em nada! Mas faltaste-me tu...
Agora, no silêncio caseiro, partilho estas sensações, porque são momentos como este que eu gosto de deixar gravados no meu bloco de emoções…

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Silêncio forçado...

Não gosto do silêncio…

Não gosto de estar sozinho…

Quando me sinto assim… refugio-me na escrita e nestes pequenos textos que crio. No fundo, não espero que alguém os venha a ler porque são somente um escape, uma companhia, algo a que recorro para preencher 2 minutos da solidão forçada.
Uma mensagem ou um telefonema preenchem, ocasionalmente, a penumbra silenciosa em que me encontro. Mas faltam-me as pessoas, os gestos, os risos, os olhares… Fazem-me falta os amigos, as pessoas de quem gosto aqui, mesmo a meu lado. Falta-me a presença calorosa delas.
Nestes momentos, espero somente que o tempo passe e que algo de relevante preencha a penumbra forçada em que me encontro. Contudo, isso nunca acontece…

Já tinha dito que não gosto do silêncio nem de estar sozinho?

Intensidez...

Gosto de falar contigo. As conversas que tens revelam segurança e conhecimento. As coisas que dizem parecem fáceis e claras aos ouvidos de quem as escutam.
Alertas. Avisas. Aconselhas.
Gosto de prestar atenção às tuas ideias minuciosamente apaixonadas. Ela tem de facto muita sorte por te ter “escolhido”. Lembras-te de coisas que mais ninguém se lembraria, imaginas coisas que mais ninguém imaginaria.
Quem olha para ti, vê apenas a extroversão e a alegria. Só quem priva contigo é que tem contacto com as ideias concebidas e o futuro delineado que possuis. E menos ainda são aqueles que entram no teu espaço sagrado (como se tu acreditasses nisso…) e têm o privilégio de saber o que mais ninguém sabe. “Eles não sabem é jogar ao verdade e consequência…”.
O olhar que depositas nas fotografias, seguro e profundo, não nasce do acaso. É o olhar que também depositas na vida e nos objectivos que concebes para ela. Não pactuas com as habituais dúvidas e os recorrentes desleixos característicos destas idades. Depositas o máximo em cada coisa, e achas sempre que podias ter feito melhor, mesmo quando tal parecia não ser possível.
Gosto de ver o teu sorriso na cara. A princípio não o conhecia. Mas felizmente há factos que não são obra do acaso. Acreditas no destino??
Não me vou esquecer da tua capa ao ombro, do teu ar sério mas brincalhão, das tuas piadas certeiras e aguçadas.
Conhecemo-nos por acaso. Não era suposto, pois não? Poderias ser mais um no meio da multidão negra… mas não foste. Já te perguntei se acreditavas no destino??
Gosto do ar sorridentemente infantil com que abres os presentes. De repente regrides uns anos, e assemelhas-te a uma criança, espantada e surpreendida, ao pé da árvore de natal.
Quem te tem como amigo tem certamente muita sorte. Porque há pessoas que conhecemos que nos impossibilitam de as esquecermos. E porque há conversas que têm que ficar registadas no nosso bloco de memórias…

sábado, 3 de janeiro de 2009

Ainda vejo fotos antigas...

Claro que tive de me ir recompor…
Eu não consigo.
Há quem reitere que já não vê fotos antigas.
Mas eu não consigo!
E claro! Claro que, depois, tive de me ir recompor…

Olhar perdido...

Sempre gozaste comigo porque me emocionava “facilmente”. Ou assim pensavas tu! Dizias, no teu vocabulário tão próprio, que eu “definhava” com todas aquelas coisas que me fazem, efectivamente, “definhar”.
Sempre quiseste demonstrar, com o teu ar brincalhão e despreocupado, que nada te fazia comover, mesmo quando a altura era mesmo propícia a esse tipo de emoções as quais, confesso, por diversas vezes tenho posto a nu. E tu sempre gozaste comigo!, mas como bem sabes, nada do que pudesses dizer me faria agir de outra maneira.
Mas ontem, naquele banco animado, tu comoveste-te. Não sei de que te estavas a lembrar, nem sei que estavas a recordar, mas o que é certo é que te comoveste. Podes dizer que foram mil e uma coisas, podes justificar-te dizendo que o motivo residia nos consecutivos copos vazios que tínhamos em cima da mesa. Mas comoveste-te!
Na verdade, eu sempre soube que por detrás dessa menina-de-ferro estava uma rapariga com emoções, mas emoções que não são tidas para serem partilhadas em grupo.
Nessa altura comovi-me também, assim como me estou a comover por estar a escrever este texto. E comovi-me, não que partilhasse da mesma angustia que te enchia o olhar vazio de lágrimas rasantes, mas porque sempre me habituei a ver-te como a rapariga-hiperactiva-que-está-sempre-em-grande-animação-e-pronta-para-a-rambóia-que-nunca-se-comove-com-coisas-lamechas.
Ninguém reparou. E apeteceu-me abraçar-te. Mas achei que não iria ajudar-te. Precisamente porque ninguém reparou.
Lembrei-me de escrever este texto. Curto. Porque te queixaste que redijo sempre crónicas muito grandes.
Não me vou esquecer do teu olhar perdido nas brumas do passado. Porque há coisas que gosto de deixar escritas no meu bloco de memórias!...

Porque o relógio já ia adiantado...

Espaço agradável, moderno. Interior contrastante com o exterior antigo, envelhecido, classificado. Cores amenas, tons escuros. À frente uma chávena, grande. Café gostoso, reconfortante. Companhia agradável, amiga. E no meio de muitos novelos de conversa, a eterna saudade, antecipada.
As conversas foram e vieram. Falámos de velhos assuntos e de novos temas de conversa, marcados pela atitude das pessoas e pela presença das pessoas na vida.
A certa altura, falou-se do passado. Do passado longínquo, do passado – presente. Ainda se tentou falar do futuro, mas talvez tivéssemos entendido, inconscientemente, que não seria a altura indicada para tocar nesse assunto. Talvez seja demasiado cedo para falar do futuro…
Explanámos, então, como o passado – presente está ainda tão presente (afinal também não passou tanto tempo quanto isso…). Mais atento à conversa do que participativo, com uma mão que suporta a cara, ouvia, certamente embevecido, a conversa. Apeteceu-me permanecer calado a ouvir os desabafos de uma amiga, em vez de participar nela, porque tenho medo de me repetir e porque acho que não sou um bom contador de histórias… e porque acho que, paradoxalmente, ganho mais e dou mais enquanto ouvinte do que enquanto interlocutor.
E no meio de muitos novelos de conversa, a eterna saudade, antecipada. Recordei-me do velho menino que sabia que a sua vida ia mudar, que ia tomar um novo rumo. Mas que rumo? Recordei-me do menino que chega cheio de interrogações e de receios, mas também cheio de sonhos e ambições.
Parece que foi há tanto tempo… mas não foi. E isso é arrepiante! E é arrepiante ter a plena noção de que uma página da nossa vida se está a virar, e que nós pertencemos a essa história, que está diariamente a ser escrita, a qual nós escrevemos e na qual figuramos, como personagem principal.
Lembrei-me do menino, anónimo, que chega a um local novo, e tem de começar tudo do zero. Sou o menino que agora olha para trás e assiste ao seu percurso. Se fosse hoje, teria mudado alguma coisa?? Certamente. Admiro as pessoas que se gabam de ter um percurso imaculado e incorrigível (mas duvido até que ponto isso é verdade).
Sentados naquele espaço agradável, moderno, relembrámos, momentaneamente (até porque o relógio já ia adiantado) aquilo que fomos, aquilo que somos, mas não aquilo que seremos, talvez porque, inconscientemente, entendemos que não seria a altura indicado. Talvez porque seja demasiado cedo para falar do futuro…
Certa altura, a conversa terminou. Talvez porque o relógio já ia adiantado. Mas seria só por isso? Ou seria esta uma desculpa simpática, uma razão estratégica para não falar de assuntos que não são convenientes, que custam a ser digeridos, que doem ao serem relembrados? Vou acreditar que foi apenas porque o relógio já ia adiantado. E vou acreditar que é demasiado cedo para falar do futuro.
Mas quando será a altura indicada para falar do passado?
Num espaço agradável, moderno, quatro amigos conversavam, agarrado, cada um, ao seu bloco de memórias…